Ele era jovem, vivia cercado de amigos, gostava de esportes e cursava faculdade. Tinha uma namorada, uma família que o amava, era extremamente carinhoso e havia dito ao sogro que planejava uma vida inteira ao lado da filha dele. Apesar do diagnóstico de depressão (e outras comorbidades), tinha um ótimo senso de humor. Sempre era visto brincando e sorrindo, exatamente como a maioria dos universitários de sua idade.

Porém, em uma noite, ele se despediu de sua namorada como se fosse dormir. Disse aos colegas de quarto que os amava, que eram como irmãos, pegou uma mochila pesada e saiu. Dirigiu-se ao quinto andar de um prédio escolar. Minutos depois, seus pais receberam um telefonema que trazia uma notícia arrasadora. Naquele dia, William não só entrou para as estatísticas de suicídio juvenil, como também deixou um buraco imenso na vida de sua família e amigos.

Você já deve ter percebido que este artigo começa de uma forma um pouco diferente dos nossos conteúdos habituais. Falar de suicídio não é fácil, mas extremamente necessário. Muito além de informações, gostaríamos que os nossos leitores compreendessem que as ações para prevenir esse problema são essenciais para evitar um desfecho trágico como o da história de William, uma pessoa real que deixou uma dor profunda e uma marca permanente em muitas vidas.

Exatamente agora, pode haver um jovem exatamente como o William aí perto de você. Talvez seja um sobrinho, um colega de trabalho, uma vizinha, o filho de uma amiga (como foi este caso) ou sua própria filha. Para não lamentarmos a perda depois, é essencial discutirmos este tema. Então, convidamos você a ler deste artigo e entender a seriedade do problema do suicídio juvenil.

Suicídio juvenil — os números por trás da tragédia

Por ano, acontecem mais de 800 mil suicídios no mundo. Esse número representa pouco mais de um terço de toda a população brasileira. Sabe-se que a quantidade de homens que colocam fim à própria vida é quatro vezes maior que o de mulheres, pois são mais efetivos em suas tentativas.

Porém, ao contrário do que as pessoas pensam, o suicídio não é um problema que atinge apenas homens e mulheres maduros, com uma série de problemas e dificuldades. Entre os anos de 1980 e 2000, a taxa de suicídio na faixa etária dos 15 aos 24 anos aumentou 20 vezes.

As estatísticas mais recentes mostram que 8% dos suicídios que acontecem no Brasil envolvem adolescentes entre 10 e 19 anos. Para cada pessoa que se suicida, outras 20 tentaram e não conseguiram **.

Para que você tenha uma ideia mais clara sobre a gravidade do problema, hoje o suicídio é a terceira maior causa de morte na adolescênciaficando atrás apenas dos acidentes de trânsito e infecções respiratórias. A tentativa de auto-extermínio é a principal ocorrência no setor de emergência psiquiátrica dos hospitais gerais.

Nem mesmo as crianças estão livres desta tragédia. Elas pensam cada vez mais no assunto e demonstram a intenção de acabar com a própria vida. A incidência só é baixa porque, nessa faixa etária, o acesso a métodos letais é limitado. Por isso, nem sempre conseguem concretizar seus planos.

O acompanhamento dos familiares mostra que um suicídio não acaba apenas com a vida da pessoa que cometeu o ato. Em média, 6 familiares ou amigos próximos são duramente afetados pela tragédia, sofrendo as sequências desse acontecimento ao longo de anos ou mesmo décadas.

O impacto é tão sério que existe até um termo para se referir às pessoas próximas abaladas por um suicídio: sobrevivente suicida. São pais, mães, irmãos, maridos, esposas ou ainda namorados que têm suas vidas completamente devastadas por essa tragédia.

Por que não se fala no assunto?

No passado, acreditava-se que as pessoas cometiam suicídio por imitação. Esse foi um dos motivos que transformou esse assunto em um tabu. Segundo os defensores dessa ideia, quanto menos se falasse no tema, maiores seriam as chances de evitar novas ocorrências.

Porém, as estatísticas mostram o contrário. Como vimos no tópico anterior, os números relacionados ao suicídio juvenil aumentaram. Diante disso, especialistas mudaram a orientação: é preciso falar sobre o tema, porém, da forma correta — sem glamourizar e nem ensinar técnicas.

Como abordar a questão do suicídio juvenil?

Em primeiro lugar, é importante destacar que a prevenção ao suicídio juvenil vai muito além do que se fala aos jovens. Sabe-se hoje que 90% dos casos de suicídio estão associados a transtornos mentais** como a depressão, ansiedade e bipolaridade, entre outros.

Portanto, além de discutir a questão do suicídio sem preconceitos, de forma ética e respeitosa, é fundamental que as pessoas conheçam os sintomas desses transtornos mentais. Se eles forem diagnosticados e tratados devidamente, evitaremos a perda de muitas vidas.

Então, vamos a algumas ações essenciais para evitarmos o problema?

1. Desmistificar os transtornos mentais

Os transtornos mentais são cercados de mitos. A depressão, por exemplo, pode ser vista como fraqueza ou condenada como uma consequência da falta de fé. Da mesma forma, as pessoas que sofrem com ansiedade, bipolaridade são submetidas a julgamentos parecidos devido à incompreensão.

Para desmistificar esses transtornos, é fundamental buscar conhecimento. É preciso entender que se tratam de doenças, que não podem ser curadas simplesmente com pensamento positivo ou fé. Esses elementos são importantes para a recuperação, mas o tratamento não se restringe a isso. Pode ser necessário usar medicamentos, fazer terapia e principalmente adotar um novo estilo de vida.


2. Conscientizar sobre o perigo das substâncias tóxicas

O suicídio não está relacionado apenas aos transtornos mentais. Um estudo feito pelo suicidólogo José Manoel Bertolote, professor da Universidade Estadual de São Paulo (UNESP), revelou que 1 em cada 5 suicídios possui ligações com o abuso de substâncias tóxicas **.

Conscientizar os jovens (e adultos) de que o uso de substâncias tóxicas, incluindo o álcool, é prejudicial à saúde é muito importante. Além de causarem uma série de outras doenças, esses produtos aumentam os riscos de morte, inclusive devido ao suicídio juvenil.

3. Lutar pelo acesso ao tratamento adequado

Tão importante quanto conhecer os transtornos mentais e desmistificá-los é garantir às pessoas o acesso ao tratamento adequado. Isso é válido não só para as pessoas que sofrem com a depressão, ansiedade, bipolaridade e esquizofrenia, mas também para os adictos que precisam de ajuda médica para abandonarem o vício.

4. Ficar atento aos avisos

Segundo especialistas, pessoas que cometem suicídio avisam previamente suas intenções **. Porém, esses alertas nem sempre são percebidos ou são ignorados devido à ideia dominante de que “quem quer se matar não avisa ninguém.’ Embora isso também possa acontecer, é importante observar o comportamento e não negligenciar o cuidado e atendimento necessários.

5. Enxergar além das aparências

Voltando à história do William, nem mesmo os amigos mais chegados perceberam o estado em que ele se encontrava. Era o caçulinha de uma família em que era muito, muito amado. Estava trabalhando em um excelente emprego. Portanto, era uma pessoa com uma vida normal, que aparentemente não tinha motivos para cometer suicídio. Seu ato surpreendeu a todos.

Por isso, é necessário enxergar além das aparências. William sofria com a depressão e transtorno de ansiedade generalizada, mas tinha todo o acompanhamento médico, psicológico e familiar. Isso mostra que, diante da alta correlação entre esses transtornos mentais e suicídio, é necessário permanecer em alerta o tempo inteiro. Mesmo um simples ajuste na medicação pode causar um desequilíbrio químico e favorecer o surgimento de ideias suicidas.

6. Buscar ajuda ao primeiro sinal de alerta

Como vimos, a maioria das pessoas que planejam um suicídio ou o cometem estão doentes. Quando temos um problema de saúde física, procuramos um médico. Essa também deve ser a atitude de quem percebe indícios de algum transtorno mental. Não vale a pena deixar de procurar ajuda e aumentar o risco de perder quem amamos.

Acredite: divulgar informações corretas sobre os transtornos mentais e seu tratamento, dar atenção a quem passa por um momento delicado em relação à saúde mental, lutar por um tratamento digno e adequado são ações que exigem tempo e esforço. Porém, esse esforço em nada se compara à dor de perder alguém próximo e saber que com um pouco mais de conhecimento essa triste situação seria prevenida.

Entendeu a gravidade do problema do suicídio juvenil? Quer ajudar a conscientizar as pessoas sobre o tema? Compartilhe o artigo em suas redes sociais e convide seus contatos a se engajarem neste movimento de prevenção.

 

** Informações extraídas do livro Mentes Depressivas – as três dimensões da doença do século, de Ana Beatriz Barbosa Silva. Editora Principium.