O que você considera uma tentação irresistível? Para alguns, o grande problema é o chocolate. Para outros, basta ter açúcar para aguçar os sentidos e gerar descontrole. Ainda existe o grupo que não resiste aos salgados — aquela pizza com o queijo derretendo, a fritura servida na festa ou feita em casa, os embutidos…
Para algumas pessoas, a palavra irresistível não é apenas um exagero. Elas realmente não conseguem recursar uma iguaria que adoram. O vício em comida tem dois lados muito importantes: ele revela transtornos prévios e causa problemas como consequência. Justamente por isso, ele merece atenção redobrada.
Quer saber mais sobre esse problema e o que leva o corpo a desenvolver essa dependência de determinados alimentos? Então, continue a leitura!
Vício em comida: o que caracteriza esse problema?
Para entender o que é vício, é preciso primeiro entender o que significa comer de forma saudável. O alimento tem uma função em nosso organismo: prover a energia e os nutrientes que precisamos para realizarmos as atividades da nossa rotina.
Portanto, o ato de alimentar-se de forma saudável é satisfazer uma necessidade física do corpo, que é sinalizada pela sensação de fome.
Nem sempre precisamos esperar a fome a aparecer para comer. Afinal, é importante ter um horário regular para as refeições. Porém, se a pessoa come com essa regularidade e na quantidade ideal para atender suas necessidades, não há nenhuma anormalidade.
Já para a pessoa que desenvolve um vício, o ato de comer tem outro significado. A pessoa ingere mais alimentos do que precisa para suprir suas necessidades ou matar a fome. A razão para esse consumo exagerado é outra, e geralmente está associada a uma recompensa de ordem emocional.
Comida e emoções: qual é a relação?
Para nós termos as sensações de prazer e bem-estar, nosso corpo precisa produzir algumas substâncias, como a dopamina. Nós temos um estoque dessa substância química em nosso cérebro, em uma área conhecida como centro de recompensa.
Diversas ações fazem o cérebro liberar dopamina. Quando a pessoa faz o bem a alguém e se sente satisfeita com essa ação, lá vem a dopamina. Ela também aparece durante o ato sexual, quando nos divertimos, quando uma pessoa querida nos faz um elogio ou um carinho, e assim por diante.
Outra ação que libera o nosso estoque de dopamina é comer. Ao morder um alimento saboroso, as gavetinhas onde essa substância são guardadas se abrem de forma praticamente mágica. O cérebro é inundado por uma sensação de prazer, de satisfação, de conforto emocional.
Por que isso acontece? Porque a função original da dopamina é reforçar comportamentos que garantem a sua sobrevivência e a da nossa espécie. Se você se sentir bem quando realiza essas ações, você as repetirá. Dessa forma, permanecerá vivo.
Porém, é importante destacar que esse bem-estar causado pela dopamina é breve. Trata-se de uma sensação parecida com a euforia, e não felicidade. Também é válido destacar que esse pico de dopamina é seguido por uma inundação de endorfina no cérebro, que causa relaxamento e é um analgésico natural.
Comer para se sentir bem: qual é o problema?
O nosso cérebro foi feito para funcionar assim, para sentirmos prazer através da alimentação. Com isso, temos vontade de repetir a dose e nutrimos o nosso organismo.
No entanto, ao longo da História humana, desenvolvemos substâncias que causam um estímulo exagerado nesse centro de recompensa do cérebro. Drogas como o álcool, maconha, cocaína, heroína e ecstasy fazem com que a dopamina seja liberada em doses muito maiores.
Depois que as pessoas experimentam essa explosão de prazer causada por essas substâncias, outras fontes de bem-estar perdem a graça. A vida passa a ter um único sentido: fazer o que for preciso para repetir aquela sensação.
O problema é que não são apenas as drogas que causam esse efeito. Alguns ingredientes alimentícios também são responsáveis por uma superestimulação de dopamina. Acredito que não é difícil imaginar que são justamente os produtos que consideramos mais gostosos, porque concentram açúcar, gordura e sal.
Nesse ponto, já começam a aparecer alguns grandes problemas. Veja quais são:
1. O alimento assume outra função
O mecanismo da dopamina foi criado com uma função: o cérebro faz a pessoa se sentir bem quando ela come para que ela coma novamente, garantindo sua sobrevivência.
Os alimentos que superestimulam a liberação de dopamina invertem essa lógica — a pessoa come para se sentir bem. A comida passa a ser não a fonte de energia e nutrientes, mas de conforto emocional.
Por isso, uma pessoa viciada tende a compensar problemas em outras áreas da vida comendo. O chefe falou algo que ela não gostou? Chocolate! Houve uma discussão entre marido e esposa? Pizza. A promoção no trabalho não saiu? As mágoas são afogadas no pote de sorvete.
Como o consumo desses alimentos provoca uma sensação momentânea de bem-estar, o cérebro recebe esse reforço. Assim, a pessoa fica condicionada a, sempre que enfrenta uma dificuldade, buscar solução ou consolo na comida.
2. Aumenta o consumo de alimentos não saudáveis
Como você pode imaginar, os alimentos que causam essa explosão de dopamina não são os mais saudáveis. Na verdade, nós os chamamos de produtos alimentícios altamente palatáveis (saborosos). Esse sabor, como já dissemos, é obtido com uma alta concentração de açúcar, gordura e sal.
O açúcar e a gordura, por exemplo, estão presentes em diversos alimentos em estado natural. Porém, a concentração do açúcar é muito mais baixa em uma fruta do que em um doce industrializado.
Apenas a título de comparação, 100g daquele creme de avelã com chocolate que muitos passam no pão contêm 57,6g de açúcar. 100 gramas de melancia, que é uma fruta extremamente doce, contém apenas 6g de açúcar. Seria necessário comer quase um quilo de melancia para obter a mesma quantidade de açúcar que apenas 100g do referido creme.
Já quanto à gordura, a própria natureza dela difere quando em um alimento natural e um alimento industrializado. Coco, abacate, sementes e oleaginosas oferecem uma versão saudável da gordura ao organismo, enquanto os produtos alimentícios proporcionam versões saturadas, refinadas e processadas, que não fazem bem à saúde.
Isso significa que, para termos aquela sensação de festa no cérebro que uma alta liberação de dopamina provoca, nós precisamos consumir produtos nada saudáveis. Não é sem motivo que, nos últimos 30 anos, a quantidade de pessoas obesas, diabéticas e com outras doenças crônicas relacionadas a uma alimentação inadequada aumentou muito.
3. O viciado sempre precisa de mais
Não se iluda! O mecanismo do vício em comida é igual ao das drogas. A pessoa precisará de uma quantidade cada vez maior para obter os mesmos resultados ou até um efeito menor.
Stephen Stahl, neuropsiquiatra da Universidade de Califórnia e especialista no comportamento de pessoas viciadas, relata que o vício reduz gradualmente a capacidade de liberação de dopamina, promovendo um efeito contrário ao esperado.
Para um viciado, o pico da dopamina acontece com a expectativa, quando a pessoa vê a garrafa ou a bebida. No ato de beber, em si, a dopamina já não sobe tanto, porque o organismo se torna resistente.
É por isso que pessoas viciadas em comida muitas vezes já nem sentem mais o sabor do alimento. Elas comem um chocolate, um pacote de bolachas ou diversos sanduíches inteiros e rapidamente, mas não conseguem aproveitar a sensação da degustação.
No livro Comer para não morrer, o médico Michael Greger alerta para que quando a pessoa tem uma resposta muito fraca da dopamina, ela não entende isso como um sinal de perigo. Ela pensa justamente o contrário: “se a sensação não é tão boa, eu preciso comer mais, até me satisfazer”.
Como resultado, a pessoa tem um ganho de peso ou, mesmo que ela não engorde por uma pré-disposição genética favorável, ela colocará dentro de seu organismo substâncias que podem provocar uma série de doenças.
Entendeu qual é o mecanismo por trás do vício em comida? Quer saber como se livrar dessa dependência? Assine a nossa newsletter para acompanhar nossos próximos conteúdos e não perder novos artigos sobre esse tema!